Para que seja especial e para que possa perdurar e ficar no tempo, uma rivalidade tem de representar de forma profunda e verdadeira as características, visões e a essência de dois lados da barricada. A diferença é aquilo que torna um duelo ainda mais apetecível e, no futebol ao mais alto nível, poucas vezes tivemos um confronto de estilos tão evidente e tão claro como este vivido em abril de 2010 e retratado nas próximas linhas.
Guardiola e Mourinho, os protagonistas. Barcelona e Inter de Milão, as equipas. Camp Nou, o local. Uma final da Liga dos Campeões em jogo e tantos pormenores deliciosos a tornar este jogo um dos mais memoráveis da história recente da Champions.
Passou quem ganhou primeiro
Mas abandonemos, por breves momentos, a segunda mão decisiva e recuemos até ao jogo do Giuseppe Meazza. Sim, porque se a estratégia de Mourinho em Camp Nou foi marcadamente defensiva e conservadora, o resultado e a vantagem trazida ajudam a explicar um pouco, também, a forma do português colocar a sua equipa em campo. A ideia, tornada pública depois, era simples na teoria e extremamente complexa na prática: ganhar a eliminatória no jogo em casa.
E que primeira mão, então, foi essa? Bem, poucas vezes o Barcelona de Guardiola terá sido tão surpreendido como naquela noite de explosão nerazzurra. Pedro ainda abriu o marcador, mas o Inter, com um Sneijder em estado de graça, um Maicon transformado numa autêntica locomotiva e um Milito imperial na finalização, castigou toda e qualquer falha do adversário e, por e simplesmente, bloqueou uma das melhores equipas da história do jogo para construir uma vantagem preciosa de dois golos (3x1). «O Barcelona chegou a Milão e não percebeu o que aconteceu», disse o Special One, uns meses mais tarde.
Uma parte importante do trabalho estava feita, mas este Barcelona, apesar da imagem frágil deixada na primeira mão, com algumas queixas para a arbitragem pelo meio, tinha condições para remontar em casa e chegar à segunda final de Champions consecutiva. Um 2x0 não era um resultado propriamente escandaloso e a expulsão polémica e madrugadora de Thiago Motta deu ainda mais esperança a uma equipa que desde cedo demonstrou que estava pronta para uma noite de muita paciência e toque.
A partir do momento em que ficou reduzido a 10 jogadores, o Inter sabia que ainda ia ter de defender mais do que esperava. Pela pressão, pela qualidade dos seus intérpretes, pela capacidade aglutinadora do ambiente de Camp Nou, o Barcelona empurrou o adversário para junto da sua área e assistiu-se a uma autêntica batalha por espaço. Descobrir um metro quadrado cá de cima, da visão do espetador e do jornalista, já era complicado, mas o tiki-taka paciente, cerebral e objetivo de Guardiola ia deixando os adeptos com esperança. O problema é que a última barreira chamava-se Júlio César, melhor guardião do planeta, à data.
A clarividência do Barcelona levou um Inter de incrível sacrifício e rigor ao limite. A equipa de Guardiola descobria a mais indetetável das brechas para levar perigo e o golo de Piqué, a dez minutos do final, foi um prémio justo para uma fromação que nunca abdicou da sua filosofia e da sua forma de jogar para chegar ao objetivo. A racionalidade no momento de maior emoção foi suficiente para uma reta final de partida de crença e esperança catalã, mas, de, no fim, euforia para Mourinho.
No final, as palavras do técnico derrotado não deixaram de ser de alguma conformismo: «Perdemos contra um grande treinador e uma grande equipa. Vamos voltar». De facto, não se podia ter feito muito mais. Era simplesmente o tempo e a história de Il Speciale.
1-0 | ||
Gerard Piqué 84' |