A história da rivalidade entre as duas seleções remonta aos primórdios do futebol em ambos países, mas foi durante o primeiro Mundial que atingiu o seu zénite. A jogar em casa, o Uruguai, bicampeão olímpico em título, era o grande favorito à conquista do troféu. Os rivais do outro lado do Rio da Prata eram os únicos que se podiam interpor entre a Celeste e a Taça Jules Rimet.
Rivalidade histórica
A rivalidade já vinha desde os tempos em que os europeus se haviam instalado nos dois lados do Rio de la Plata. Nos campos de futebol remontava ao fim do século passado e aquecia, a cada dia que passava, a final entre vizinhos e rivais.
Para acalmar o ambiente, a organização conseguiu que o grande Carlos Gardel, cantor e compositor de tango, além de actor de cinema, oferecesse um recital às duas delegações.
Gardel, voz maior do tango, também é motivo de disputa entre argentinos e uruguaios que o reclamam como seu. Ninguém sabe ao certo onde nasceu o astro e as opiniões dividem-se entre a cidade de Toulouse, em França, ou Tacuarembó, no interior uruguaio, já perto da fronteira com o Brasil.
Questionado sobre o tema, Gardel não ajudou muito a esclarecer as dúvidas, limitando-se a referir que nascera «em Buenos Aires aos dois anos e meio de idade».
Nem na escolha da bola se entendiam...
Nas vésperas do encontro e na manhã do próprio jogo, milhares de argentinos encheram dezenas barcos e pequenas embarcações - há quem fale em centenas - e atravessaram o Rio da Prata rumo a Montevideu.
Nas ruas da capital uruguaia, a rivalidade acendia os ânimos, com gritos de ordem, piropos habituais e uma outra escaramuça. No estádio, os dirigentes da FIFA tentavam, em vão, conseguir que as duas delegações se entendessem à cerca de que bola utilizar na partida.
Às oito da manhã abriram-se os portões - seis horas antes do jogo - e, ao meio-dia, o Centenário estava cheio como um ovo, com mais de 80 mil pessoas à espera do pontapé de saída...
Na porta do quarto de Luis Monti, o intratável central argentino, estrela e referência da
Alviceleste, surgiu um papel onde se lia «Se ganhas morres tu ou a tua mãe». Monti acusou o toque e fez uma exibição apagada. Pouco tempo depois da final mudou-se para Itália onde seria Campeão do Mundo pela
Squadra Azzurra.
Por culpa do descontrolado comportamento de alguns hinchas argentinos, o árbitro belga John Langenus pediu um reforço policial para a partida se poder realizar e exigiu um plano de fuga para poder apanhar um barco rapidamente caso as coisas corressem mal, fazendo-se ao mar e deixando Uruguai e Argentina para trás.
A desconfiança era mútua e de tal ordem que Langenus se viu obrigado a aceitar que em cada parte do jogo fosse usada uma bola diferente. Na primeira parte jogou-se com a bola argentina, na segunda com a uruguaia.
Os visitantes venciam por 1x2 ao intervalo e no segundo tempo os uruguaios viraram o jogo para 4x2. Curiosamente, ou talvez não, cada equipa tinha ganho a metade da partida que se tinha jogado com a sua bola. O jogo acabava com a vitória uruguaia, mas a história da final estava longe de acabar...
O after match
Já depois de terminado o Mundial, a Federação Argentina cortou relações com a sua congénere uruguaia, invocando a má educação e o tratamento a que sua delegação fora votada em solo uruguaio durante todo o desenrolar da competição.
Em Buenos Aires, os adeptos irados atacaram o consulado uruguaio à pedrada e a polícia abriu fogo sobre os manifestantes, impedindo a todo o custo o assalto iminente às instalações consulares uruguaias.
A Federação de Futebol da Argentina viu-se obrigada a cortar relações com a Federação Uruguaia, desistindo de competir também na Copa América, e as próprias relações entre os dois países perigaram com o bom senso, por fim, a prevalecer e a impedir um corte radical entre os dois vizinhos.